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Uber através de um espelho retrovisor: a história da ascensão e da queda da reputação da empresa de transporte particular de passageiros

Após a infeliz morte de uma passageira, uma investigação revela os antecedentes de má conduta da Uber e a sua reputação em relação à experiência dos usuários no Egito.
Em fevereiro, Habiba al-Shamaa morreu depois de se jogar de um veículo da Uber, alegando que o motorista tentou sequestrá-la. O incidente levou o motorista a ser preso, tendo revelado seus antecedentes de reclamações, incluindo assédio e abuso de substâncias. Foram levantadas questões sobre as medidas de segurança da Uber à medida que surgiam outros casos de má conduta.

Habiba al-Shamaa reservou uma viagem de Uber em fevereiro para fazer um percurso de 25 quilômetros desde Fifth Settlement até Heliópolis. Após a chegada do veículo, Shamaa partiu para o seu destino.

Durante a viagem, a passageira se jogou para fora do veículo em movimento. Foi hospitalizada no Centro de Medicina Internacional, onde acabou falecendo em decorrência dos ferimentos três semanas depois. Tinha 24 anos de idade.

Os familiares e amigos tentaram compreender o que havia acontecido. Durante a viagem, sua mãe havia telefonado, tendo dificuldade para conseguir ouvir a filha devido ao barulho no carro, ou seja, o motorista, que parecia estar no meio de uma briga numa chamada telefônica, e o alto-falante do rádio em volume alto. Habiba pediu ao motorista que abaixasse o volume, porém este se recusou. O telefonema com a sua mãe terminou. Quando amigos telefonaram para Shaama para saber onde ela estava, uma pessoa desconhecida atendeu o telefone.

Foi um transeunte que reparou Shamaa deitada na beira da estrada e que se apressou em socorrê-la. Mais tarde, o transeunte disse às autoridades investigadoras que ouviu Shamaa dizer: “O [motorista do] Uber queria me sequestrar”.

O caso se tornou viral e o motorista foi preso. Tanto a irmã de Shamaa quanto a irmã do motorista do Uber foram entrevistadas em uma série de programas de entrevistas noturnas. Ao longo da investigação, surgiram relatórios que revelaram o histórico do motorista na utilização do aplicativo de viagens. Um representante legal da Uber apresentou documentação ao promotor público do estado mostrando que os clientes haviam apresentado uma série de reclamações contra o motorista no passado. Entre essas denúncias constavam acusações de assédio sexual, excesso de velocidade, condução sob a influência de substâncias entorpecentes, insultos a outros motoristas e insistência em cobrar taxas extras pelas viagens, entre outros incidentes de má conduta. Anteriormente, sua conta havia sido suspensa devido aos incidentes, porém o mesmo conseguiu registrar uma nova conta e continuar trabalhando sem qualquer verificação.

Uma onda de indignação ganhou força on-line em resposta à história de Shamaa. A Uber já fora a empresa mais procurada por uma classe específica de motoristas de transporte particular, oferecendo um selo de confiabilidade que a diferenciava da iminência de chamar um taxi ou do estresse e da confusão dos transportes públicos. Como foi possível que algo assim acontecesse?

A Uber apaziguou o público com apenas uma declaração expressando “profunda tristeza” pela morte de Shamaa e apresentando condolências à sua família e entes queridos “durante um período tão difícil”.

A morte de Shamaa foi uma tragédia. Com isso, surgiram outros casos. Parecia que todo mundo tinha uma história relacionada com algum incidente envolvendo a Uber — serviço ruim, brigas com motoristas, assédio sexual, automóveis em estados precários. Ficou claro que havia se escondido à vista de todos uma enorme discrepância entre a boa reputação da empresa e a realidade carregada de riscos para as mulheres usuárias do serviço. O início da Uber no Egito em 2014 parecia ser promissor.

Alguns dos materiais de divulgação ao público do mesmo período articulam o compromisso da empresa em “encorajar os usuários a viajar com segurança e confiabilidade” e trazer “responsabilidade e transparência a cada viagem, para que os seus usuários possam se sentir seguros ao pegar um Uber”. Naquela altura, a empresa adotou medidas práticas para garantir a segurança dos motoristas. A mesma impunha requisitos rigorosos aos seus motoristas, incluindo verificação de antecedentes criminais e inspeções dos automóveis. Também houve treinamentos obrigatórios para os motoristas relativos às técnicas de condução segura de veículos, aos métodos de cadastro no aplicativo Uber e ao que era necessário para conseguir a aprovação das suas candidaturas. A Uber também realizou sessões de integração para os novos motoristas nas instalações da Universidade Americana no Greek Campus do Cairo, entre outras multinacionais e empresas de tecnologia instaladas no sofisticado centro da cidade.

A importância dada à segurança implicava uma preocupação aparente com a comum ocorrência de assédio sexual. “Quando a Uber foi implementada no Egito, sua chefia estava interessada em temas relacionados com gênero e procurou colaborar com a HarassMap em prol da segurança em viagem” afirma Reem Wael, ex-diretora executiva da HarassMap, uma iniciativa sem fins lucrativos que emprega mapeamento on-line comunitário para denunciar o assédio sexual e combater a norma social, promovendo a conscientização e o apoio às vítimas. 

A organização sem fins lucrativos e a empresa colaboraram em várias iniciativas, de acordo com ex-alunos e funcionários da ONG que tinham conhecimento da relação de parceria ocorrida entre 2015 e 2016. A HarassMap conduziu sessões de treinamento para a equipe interna da Uber e elaborou o respectivo material de treinamento para as sessões de integração que a Uber oferecia aos motoristas. “Fornecemos à Uber definições de assédio sexual bem como seus tipos e formas”, afirmou Mamede Hegab, que na época chefiava a Unidade HarassMap e era incumbido da parceria com a Uber. Hegab comentou que o material de treinamento explicava algumas das diferentes formas que o assédio sexual pode assumir, tais como olhares ou contato físico inapropriados.

Depois de ministrar o treinamento, a Uber colocava adesivos nos veículos dos motoristas, indicando que o motorista recebeu treinamento sobre assédio sexual e que o motorista “se compromete a tomar providências positivas em relação ao assédio sexual”.

A iniciativa da empresa nos primeiros anos fez com que a segurança se tornasse rapidamente uma das vantagens exclusivas da Uber. Enquanto o serviço já ganhava popularidade no Egito tão rapidamente quanto em outros países, seu diretor de desenvolvimento de negócios e de publicidade declarou à imprensa que o sucesso da empresa se devia à “segurança”.

Ao que parece, a segurança também se refletiu nas experiências dos clientes com o serviço de transporte da Uber. Um relatório coproduzido pela Uber e pela International Finance Corporation em 2018 menciona que os serviços de transporte particular no Egito haviam sido preferidos pelas mulheres especificamente pela “segurança adicional”. Segundo este relatório, a transparência de custos constitui mais uma vantagem, pois, embora o serviço da Uber não seja a opção mais econômica em comparação com o transporte público, o mesmo permite aos usuários evitar o incômodo de negociar tarifas em viagens de táxi com taxímetro ou lidar com o fato de o taxista nem sequer usar o taxímetro. De acordo com o relatório, 51% das mulheres entrevistadas no Egito consideraram a Uber como uma opção mais segura, em comparação com 33% das mulheres de todo o mundo. Vários usuários do serviço de transporte particular afirmaram à Mada Masr que a Uber se tornou uma parte consolidada de sua rotina diária, tendo um usuário declarado que usava o serviço para se deslocar regularmente para suas aulas enquanto frequentava a universidade e, agora que já está trabalhando, recorre ao serviço diariamente.

De acordo com Mohamed Mostafa, um profissional de contabilidade que se juntou à Uber como motorista há mais de oito anos, a abordagem da empresa nos anos posteriores ao lançamento fez parte de um evidente estudo de mercado. “Era simples. A Uber sabia que a classe média egípcia estava ficando cada vez mais insatisfeita com os serviços de táxi”, afirma, acrescentando que a empresa pretendia preencher essa lacuna fornecendo “uma solução fácil e conveniente para reservar viagens mais confortáveis”.

A Mostafa ressalta que a sensação de segurança não foi apenas algo que a empresa quis oferecer aos passageiros, mas também proporcionou uma oferta semelhante aos motoristas. “Sua estratégia se concentrava no serviço de transporte de luxo no Cairo em uma época em que o turismo não estava em seu melhor momento e os motoristas dispunham de muito tempo livre sem utilizar os automóveis”, afirma. “Os motoristas poderiam ganhar dinheiro extra. As empresas de serviços de transporte de luxo colocariam seus carros na estrada”.

Enquanto a Uber trabalhava em parceria com a HarassMap para aprimorar a experiência do usuário, a mesma estabelecia parcerias com instituições financeiras para oferecer empréstimos a pessoas que buscavam emprego, para que estas pudessem comprar automóveis e trabalhar na Uber por tempo integral, o que também proporcionava a sensação de segurança aos motoristas. “Era um negócio extremamente lucrativo. Mesmo que abríssemos o aplicativo e não recebêssemos nenhum pedido, ainda assim teríamos um rendimento garantido”, relata Mahmoud Volva, um motorista que se juntou à Uber naquela altura.

Segundo a Uber, a empresa estava recrutando mais de 2000 motoristas por mês e mais de 40% dos contratados estavam em situação de desemprego. Em menos de dois anos, a Uber estaria atendendo a dezenas de milhares de usuários com mais de 45.000 veículos nas ruas.

Em 2016, o governo do Cairo embarcou em um programa de ajuste estrutural significativo, fazendo com que a moeda fosse desvalorizada, causando um forte impacto na população. Consequentemente, os motoristas estavam repentinamente ganhando menos.

“Os motoristas estavam ganhando 5000 libras egípcias por mês em 2016, o que equivalia a cerca de 550 dólares americanos na época. No ano seguinte, os motoristas estariam ganhando 8000 libras egípcias por mês, valendo US$ 100 a menos. A inflação estava acabando com nossos lucros”, recorda Mostafa. 

Os motoristas começaram a se esforçar mais para fazer valer o negócio. “Os proprietários de automóveis costumavam dirigir seu próprio veículo depois do trabalho para ganhar algum dinheiro extra, ou contratavam um motorista para fazer algumas viagens enquanto o mesmo estivesse no trabalho”, explica Mostafa. “À medida que as coisas pioravam, o proprietário contratava dois motoristas para trabalharem por turnos. Pessoas que adquiriram veículos por meio de empréstimos tiveram que desembolsar uma quantia mais elevada, enquanto seus rendimentos diminuíam e, por isso, também passaram a contratar outras pessoas para ajudar.”

Algumas empresas de serviços de transporte de luxo expandiram suas frotas graças aos bônus e ao salário garantido da Uber, passando, contudo, a enfrentar dívidas cada vez mais altas que as obrigavam a agir rapidamente e contratar novos motoristas com salários fixos ou à base de comissões.

Reem Wael ressalta que o grande número de motoristas passou a fazer e a ser a justificativa da Uber para limitar o nível de medidas que a empresa estava disposta a tomar contra o assédio sexual. A mesma afirma que ocorrência de conflitos se deu pelo fato de a HarassMap “não conseguir controlar o comportamento dos motoristas”. A HarassMap pretendia capacitar os motoristas contratados pela Uber, explica Wael, porém a empresa de transporte alegou que era difícil porque “havia muitos motoristas”.

Para a Uber era necessário continuar sua expansão e aumentar o número de motoristas e, consequentemente, de passageiros, para atingir e garantir o domínio total do mercado. “A concorrência entre a Uber e outros concorrentes, como a Lyft nos EUA ou a Careem no Médio Oriente, levou-a a aumentar ainda mais o seu investimento. Esse foi o auge do que chamamos de fase de esgotamento”, diz Khaled Ismail, fundador e presidente da Kiangel, um fundo de investimento-anjo que investe em empresas start-up em fase inicial no Egito. “Nessa fase, uma empresa não está buscando obter lucros. Mas sim, qualquer meio de expansão para convencer os investidores a continuar injetando dinheiro”. Atraindo a atenção de investidores de todo o mundo, a Uber poderia facilmente derrubar concorrentes locais, como a Easy Taxi ou a Ousta. “As empresas pequenas dispunham apenas de milhões de libras como apoio. A Uber gastou bilhões de dólares para garantir o seu domínio”, afirma Ismail. 

A “fase de esgotamento” da Uber fez com que a empresa acumulasse quase US$ 8 bilhões de prejuízos em suas operações a nível mundial antes do final de 2018. Os mesmos investidores que apoiaram o cofundador e CEO da Uber, Travis Kalanick, o substituíram pelo ex-CEO do Expedia Group, Dara Khosrowshahi, que foi encarregado de reformular a empresa e de torná-la lucrativa.

A Uber também adquiriu a Careem, sua principal concorrente na região, abrangendo os principais mercados do Egito, Jordânia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. “Até então, a Uber havia conseguido adquirir a maior parcela do mercado de transporte privado no Egito e tinha a liberdade de fazer o que bem entendesse. Já não se colocavam três pratos à mesa, mas somente um e uma pessoa faminta comia o que lhe era servido”, afirma Ismail. 

Com Dara Khosrowshahi no comando e o domínio estabelecido, a Uber decidiu diminuir os custos, lançando a estratégia de marca chamada Moving Forward. A Uber alterou a estrutura de sua empresa no Egito de forma que mudou o seu vínculo com os motoristas, deixando bem claro que eles seriam prestadores de serviços autônomos e não funcionários da empresa. “Neste momento, a Uber reduziu os descontos para os usuários e os bônus para os motoristas no Egito”, afirma Mostafa. O seguro de saúde, assim como o seguro contra acidentes, foi retirado dos motoristas, o que levou à suspensão de contas de muitos, dando origem a acusações de que as demissões que se praticavam naquele momento eram intencionais. Com o impacto da COVID-19 em 2020 e a implementação generalizada do recolher obrigatório, que manteve os clientes confinados, o principal fluxo de lucros da Uber foi efetivamente bloqueado e a empresa demitiu centenas de pessoas. Quase 40% da equipe no Egito foi dispensada.

“Não havendo concorrência e com um grande número de motoristas, a Uber se mostrou menos inclinada a realizar o mesmo nível de triagem inicial que normalmente realizava”, relata Mostafa. E os motoristas ainda buscavam a possibilidade de ganhar dinheiro com a Uber. “Os motoristas que haviam sido bloqueados começaram a retornar novamente com carteiras de identidade e carteiras de habilitação falsas. Veículos que não atendiam aos padrões da Uber foram adicionados sorrateiramente no aplicativo. Os exames toxicológicos estavam se tornando cada vez mais fáceis de falsificar”, relata Mostafa. Dezenas de páginas do Facebook anunciavam serviços de apoio a motoristas bloqueados para registro de novas contas, aceitação de um modelo mais antigo de veículo pelo aplicativo ou apresentação de um exame toxicológico limpo ou de um registro criminal sem antecedentes. Se um motorista for bloqueado por qualquer motivo, ele poderá obter uma nova conta por apenas 1000 libras egípcias, sem necessitar de documentação adicional.

Quando o motorista que Shamaa havia contratado foi a julgamento em abril, o tribunal o condenou a 15 anos de prisão sob a acusação de tentativa de sequestro, falsificação de documentos a fim de criar uma nova conta no Uber, abuso e direção sob influência de substâncias.

Segundo a informação prestada ao Mada Masr pelo Akram, um motorista experiente que também dirige um canal no YouTube para ajudar seus colegas a fazer o melhor uso do aplicativo, “Centenas, se não milhares de motoristas aderiram ao aplicativo. Com a crise econômica, muitos se desesperaram para encontrar uma nova fonte de rendimento. A Uber mudou seu algoritmo de preços para garantir que os usuários dependam dela”.

Akram explica que, ao contrário de outras empresas de transporte de passageiros que definem uma taxa fixa para as viagens, a Uber segue um caminho distinto. A empresa periodicamente altera seu preço para ambas as partes, o que, de acordo com Akram, visa agradar tanto aos motoristas quanto aos passageiros. Todavia, ainda que a Uber reduza sua comissão para menos do que a de seus concorrentes, que atualmente corresponde a 17,5%, as mesmas viagens continuam custando mais caro pela Uber.

“A Uber cria dependência. No caso de utilizar sempre a Uber, há um algoritmo do aplicativo que detecta esse fato e toma a liberdade de estimar o custo da viagem, independentemente da distância ou do tempo de viagem previstos. Ao parar de usar o aplicativo por um tempo e retornar, o algoritmo oferecerá uma viagem mais barata para garantir seu retorno”, explica Akram. 

Todavia, para os motoristas, essa situação poderia causar “aborrecimento”, pois nunca saberia o valor da comissão cobrada na realidade pela Uber. “Quando recebemos um alerta para uma viagem, aparece a distância e o nosso ganho. No entanto, quando concluímos a viagem, por vezes, o aplicativo pede que sejam cobradas 100 libras egípcias em uma viagem de 50 libras egípcias, o que significa que a Uber pediu ao usuário um valor superior ao que deveria, e [os motoristas] recebem apenas uma fração desse valor”, afirma Akram.

O modelo de “preço dinâmico” não é nenhum segredo. No entanto, pouco se sabe sobre como o mesmo funciona. Seu impacto na satisfação dos motoristas também tem sido questionado a nível mundial.

“Ao criar essa dependência para os usuários, deixando, porém, os motoristas insatisfeitos, a Uber está efetivamente criando problemas entre ambas as partes. E à medida que cada vez mais motoristas estão sendo admitidos com documentos falsos, não existe maneira de garantir a segurança dos passageiros”, afirma Akram.

Os passageiros começaram a perceber que o nível de segurança e de confiança que os mesmos associavam à Uber diminuía, dada à sua exposição aos incidentes em que não se sentiam seguros ao pegar o transporte. 

Aos 17 anos de idade, certa noite, Laila precisou fazer uma viagem muito curta até a farmácia. A jovem descreve o que assistiu ao se aproximar do veículo. “Vi o motorista muito suado e respirando rapidamente. Percebi que suas mãos não estavam no volante, então descobri que ele estava se masturbando”. A jovem escondeu-se dentro da loja, cancelou a viagem e escreveu uma reclamação no aplicativo da Uber para relatar o ocorrido. Obteve uma resposta por parte de um agente de call center de um país do Golfo que, depois de expressar solidariedade, pediu que a mesma apresentasse uma queixa contra o motorista na delegacia de polícia. Pouco tempo depois, ela recebeu uma mensagem no aplicativo com pedido de desculpas por parte da Uber pela qualidade de viagem, garantindo que a empresa iria entrar em contato com o motorista. 

Laila não apresentou queixa na delegacia de polícia e também nem foi informada sobre o estado de sua queixa junto da Uber.

“Em outras situações, quando apresentou reclamação sobre uma viagem, a empresa responde com ‘desculpe pelo inconveniente e faremos com que as medidas corretas sejam adotadas’, reembolsando 50 libras egípcias, por exemplo. Certa vez, perguntei sobre os passos para a tramitação de uma reclamação e eles responderam que esses são procedimentos internos que não podem ser compartilhados”, afirma Farida demonstrando a sua frustração com o sistema de reclamações da empresa.

Ali recebeu uma resposta semelhante depois de esquecer sua mochila em uma viagem de Uber há dois anos. “Uma semana depois, recebi uma resposta pelo aplicativo a informar da tentativa de entrar em contato com o motorista e que ele havia negado tal fato, declarando que não poderiam fornecer suas informações de contato. Quando me contestei, disseram-me para apresentar uma queixa contra a pessoa na delegacia de polícia caso não estivesse de acordo.”

Quando questionados sobre o motivo de não procurarem por alternativas, os motoristas descrevem um senso de familiaridade e conveniência, o que significa que muitos continuam a usar o serviço, apesar de sentirem insatisfação e até mesmo perigo ao usar os serviços de transporte da Uber. 

“Obviamente, quero mudar de serviço, mas parece estranho depois de oito anos, todos os meus cartões de crédito estão cadastrados na Uber”, afirma Malak, de 26 anos, que trabalha na Uber há muitos anos, acrescentando que vale a pena questionar a razão pela qual a jovem ainda está usando o serviço de transporte, apesar das alternativas.

 “Eu não sabia de alternativas”, diz Laila, explicando a razão pela qual a jovem não usa nenhum dos aplicativos da concorrência mais recentes, como InDrive ou Didi. “Achei que o Uber fosse mais conveniente”.

Mada Masr entrou em contato com a Uber inúmeras vezes para questionar se o corte de custos havia contribuído para o declínio do nível de segurança de seus clientes e se a empresa assumia alguma responsabilidade pela morte de Habiba al-Shamaa, não obtendo, porém, qualquer resposta. No entanto, desde então e como medida de “segurança”, a empresa ofereceu aos clientes um recurso de gravação de voz durante a viagem, anteriormente disponível apenas em Alexandria.

Mada Masr também questionou a Uber se a empresa tomaria medidas para garantir que ocorrências idênticas não voltassem a acontecer e, da mesma forma, não obteve qualquer resposta.

Entretanto, os apelos para responsabilizar o aplicativo de transporte começaram a tomar forma, com a instauração de um processo judicial por parte do advogado Amr Abdel Salam para revogação das licenças de operação da Uber e da Careem no Egito e com os pedidos apresentados por membro do Parlamento relativos à suspensão das operações da Uber no Egito ou, em caso da impossibilidade de isso acontecer, a obrigação da abertura de uma sede administrativa no país por parte das autoridades competentes. Representantes da empresa compareceram perante o Comitê de Telecomunicações da Câmara na segunda-feira, juntamente com funcionários dos ministérios dos transportes e das telecomunicações, que também são responsáveis pelo licenciamento de serviços de transporte de passageiros, para discutir possíveis medidas destinadas a tornar estas empresas mais seguras, inclusive a realização de exames toxicológicos e a instalação de botões SOS.

Os apelos para boicotar o serviço se espalharam nas plataformas de mídia social, com as pessoas salientando os inúmeros casos de agressão contra mulheres, a qualidade inadequada dos recursos de segurança da Uber e a ausência de mecanismos para responsabilizar a empresa.

Entretanto, mais uma mulher vítima de agressão em uma viagem de Uber ocupou as manchetes. De acordo com o testemunho publicado nas mídias sociais por Sally Awad, irmã da mulher, o motorista da Uber que deveria transportá-la do Fifth Settlement para Sheikh Zayed no dia 11 de maio, primeiro exigiu que ela cancelasse a viagem e lhe pagasse diretamente em dinheiro, levando-a em seguida para um lugar remoto, onde tentou agredi-la sexualmente enquanto segurava uma faca. O motorista foi preso e está sendo investigado.

Mais uma vez, a Uber expressou “profunda tristeza” e disse ter suspendido a conta do motorista e entrado em contato com um membro da família da vítima imediatamente após a ocorrência para oferecer seu apoio.

Translated by Ines Cunha Jorge, revised by Claudia Peruto, Andrew Morris and ProZ Pro Bono

Traduzido por Ines Cunha Jorge, revisado por Claudia Peruto, Andrew Morris e ProZ Pro Bono

Foto: Mada Masr

Available in
EnglishGermanItalian (Standard)ArabicSpanishPortuguese (Brazil)French
Authors
Farah Fangary and Mohamed Ezz
Translators
Irina Bogdan, Claudia Peruto and ProZ Pro Bono
Date
05.08.2024
Source
Original article🔗
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