Briefing

Newsletter da Internacional Progressista | No. 14  | O Canto da Sereia da Guerra Civilizatória

O governo Trump vem escalando a guerra contra a China. A tarefa das forças progressistas consiste em resistir a esse canto da sereia, usando do diálogo e da diplomacia a fim de avançar uma visão comum de um mundo multipolar.
Na 14ª Newsletter da Internacional Progressista de 2025, além de outras notícias do mundo, nós reportamos a escalada da guerra de Trump contra a China como uma tática de preservação da vantagem imperialista no sistema mundo—e o que deve ser feito sobre isso. Quer receber a nossa Newsletter diretamente no seu email? Inscreva-se através do formulário no final desta página.

Os ‘panicans’ estavam certos: o ataque do Presidente Donald Trump ao sistema internacional de comércio—inaugurado na cerimônia do ‘Dia da Libertação’ na Casa Branca em 2 de abril—lançou um deslocamento tectônico na economia global. 

A cobertura midiática das Tarifas impostas pelo Presidente americano têm ou menosprezando a falta de lógica dos decretos presidenciais, ou lamentando o dano por eles causado na ‘ordem liberal internacional’. Mas as intenções de Trump são tão claras quanto contíguas com relação aos seus predecessores: como muitos antes dele, as novas tarifas visam manter a vantagem imperial dos Estados Unidos no sistema mundo. 

Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA subscreveram um sistema de comércio internacional que afunilou os frutos do trabalho, terra e recursos de todo o mundo. O Plano Marshall, colocado como um gesto de generosidade para a reconstrução do pós-guerra, garantiu a dominância econômica ‘americana’ sobre o ‘velho continente’. Similarmente, as instituições de Bretton Woods, aquarteladas na capital Washington, sustentaram o fluxo de valor vindo das economias dos ‘novos continentes’ do Sul Global. 

Não muito depois, algumas rachaduras começaram a aparecer na parede do sistema mundo. O colapso do colonialismo formal entre as décadas de 50 e 60 gerou movimentos por soberania econômica por todo o Sul Global, uma vez que nações recém declaradas independentes buscaram recuperar seus recursos naturais e industrializar as suas próprias economias. Nesse ínterim, os aliados dos EUA—Alemanha, Japão e, mais tarde, a Coreia do Sul—começaram a superar em competição as manufaturas americanas. Em 1969, a participação dos EUA na produção global havia caído para pouco mais de um quarto, ante metade em 1945.

Diante de uma piora na balança de pagamentos, gastos militares desenfreados e agitação interna, a classe dominante americana engendrou dois choques cruciais na década de 1970 para restaurar seu domínio: o abandono do padrão-ouro por Nixon em 1971 e os aumentos sem precedentes das taxas de juros por Volcker a partir de 1979. Essas medidas abalaram o poder dos trabalhadores em casa, ao mesmo tempo em que forçaram o Sul Global a crises de dívida—permitindo que o FMI e o Banco Mundial impusessem programas de ajuste estrutural que reverteram os esforços em direção ao desenvolvimento soberano.

Essa fórmula do Consenso de Washington potencializou a desigualdade em favor do capital americano. Os EUA exploraram sua hegemonia do dólar para gerar déficits comerciais perpétuos, reciclando dólares excedentes em ativos de Wall Street. Enquanto isso, a participação dos trabalhadores e trabalhadoras na renda despencou, os lucros corporativos dispararam e os recursos do Sul continuaram fluindo para o norte.

Durante décadas, os EUA se acomodaram confortavelmente nesses termos de troca desigual. No entanto, com o tempo—e por meio das mesmas instituições que os EUA outrora estabeleceram para consagrar seu privilégio eterno—os países pobres buscaram trilhar caminhos de desenvolvimento que pudessem tanto proteger suas capacidades industriais quanto isolá-los da coerção americana.

E nenhum deles tem sido mais bem sucedido do que a República Popular da China.

Antes uma produtora subordinada de produtos baratos para consumidores do Norte, a China avançou rapidamente em direção à soberania econômica—erradicando a pobreza extrema, inovando em tecnologia avançada e reduzindo drasticamente o comércio desigual com o Norte.

Em 2015, de acordo com Jason Hickel, da Universidade Autônoma de Barcelona, ​​a relação de troca de trabalho, materiais, terras e energia caiu de 34:1 para 4:1. Os títulos do Tesouro americano em poder da China, por sua vez, caíram de um máximo de US$ 1,3 trilhão em 2013 para US$ 770 bilhões atualmente—uma redução de 40%. Esse esforço foi acompanhado pelo amplo impulso de desdolarização de Pequim no cenário global: sua participação nos acordos comerciais globais em yuan saiu de 0% em 2010 para 50% em 2024.

Não é coincidência, portanto, que as tarifas do "Dia da Libertação" de Trump tenham poupado todos os seus alvos, exceto um: a China. Mas os Estados Unidos não estão mais satisfeitos com seus esforços para taxar as exportações chinesas ou prejudicar seu desenvolvimento tecnológico por meio de mecanismos como a Lei CHIPS do governo Biden. Nos últimos dias, o governo Trump intensificou seus ataques à China, transformando-os em um apelo direto à guerra civilizacional em defesa do "Ocidente" e seu "modo de vida".

 Autoridades de imigração vem expulsando acadêmicos chineses das universidades americanas e revogando vistos de estudantes. Membros do Congresso estão propondo uma legislação para erradicar a influência maligna da República Popular da China do Ocidente. Funcionários da administração estão pressionando aliados europeus a ‘escolher um lado’ e isolar a China do continente. Indústrias de segurança, como a Palantir, vem liderando a ‘superioridade inata do Ocidente’ e ladrando por uma ‘Nova Guerra do Ópio’. Em paralelo, o Vice-Presidente dos EUA, JD Vance, rebaixa trabalhadores e trabalhadoras chinesas—a base industrial de quase toda a prosperidade estadunidense—a meros camponeses e camponesas. 

A tarefa das forças progressistas consiste em resistir a esse canto da sereia da guerra civilizatória—e continuar ferrenhamente colocando em prática os princípios do diálogo e da diplomacia, que irão formar a base de uma nova ordem multipolar, ainda que os EUA busquem dividir o globo em campos irreconciliáveis.

É por isso que a Internacional Progressista viajou à China nesta semana. Convidada pela Universidade de Fudan, acadêmicos e acadêmicas de todo o mundo pousaram em Shanghai para um fórum especial sobre ‘Perspectivas Socialistas sobre Governança Global num Mundo Multipolar’, buscando fortalecer um entendimento mútuo com as nossas contrapartes da RPC.

O professor Jason Hickel foi o keynote speaker da conferência. Na sua palestra, Hickel mostrou a impressionante escala de extração imperial resultante do comércio desigual no sistema mundo: 826 bilhões de horas de trabalho no Sul (mais do que o trabalho anual de todos os trabalhadores dos EUA e da UE juntos), 820 milhões de hectares de terra (duas vezes o tamanho da Índia) e 21 exajoules de energia (mais do que o uso anual de energia de todo o continente africano) desviados para o norte anualmente.

Mas o discurso de Hickel também aponta para a oportunidade única proporcionada pelo sucesso do processo de desenvolvimento soberano da China—tanto para os 1,4 bilhão de cidadãs e cidadãos chineses quanto para os bilhões de outros no Sul global. "A China", escreve ele, "pode ​​desempenhar um papel importante em apoiar o restante do Sul global, fornecendo-lhes uma fonte alternativa de financiamento, tecnologias e bens de capital, permitindo-lhes assim reduzir sua dependência de importações do núcleo e desenvolver sua própria base industrial".

Mesmo no momento em que a administração Trump avança uma agenda agressiva de medidas unilaterais coercivas, a conclusão de Jason Hickel ainda foi otimista. “Nós estamos num momento histórico. O arranjo existente não funciona para a vasta maioria da humanidade. O sistema mundo capitalista não consegue entregar um desenvolvimento significativo na periferia. Esse sistema pode e deve ser superado. As lutas do Sul Global por libertação são o verdadeiro agente de transformação mundial-histórico, e é essa geração que deve agir para tanto”.

Leia o discurso completo na Agência da Internacional Progressista no link

Últimas do Movimento

Chamada para um “Imposto sobre a Amazon” 

A UNI Global Union solicitou à Comissão Europeia a introdução de um imposto sobre serviços digitais, ou "Imposto sobre a Amazon", em face da guerra comercial com os EUA. A federação sindical global argumenta que a Amazon se beneficia de uma dupla vantagem econômica injusta na UE: baixas taxas de imposto e contratos públicos lucrativos. O apelo surge em um momento em que os trabalhadores da Amazon na Itália, com seu sindicato CGIL, entram em greve.

Oposição equatoriana sob ataque

Após a eleição no Equador—contestada pela candidata Luisa González sob alegações de fraude, corrupção e intimidação—o governo de Daniel Noboa teria compilado uma lista negra com cerca de 100 figuras da oposição sob risco máximo de detenção. Membros da campanha de Luisa González—incluindo o candidato à vice-presidência Diego Borja—já sofreram severa perseguição por parte das autoridades migratórias.

Parem a Nexoe Maersk

O navio de carga militar Nexoe Maersk atracou em Barcelona, na Espanha—antes de partir de novo transportando armas para Israel. A Internacional Progressista se juntou à RESCOP e a aliados na Espanha para demandar a imediata detenção do Nexoe—antes que seja tarde demais. 

Arte da Semana

War and Peace é uma pintura do artista polonês Paulo Sochacki, que leva o nome da obra literária do autor russo Liev Tolstói, ambientada durante as Guerras Napoleônicas. 

Assim como outras obras na exposição Self-Reflection, a pintura partiu de uma dicotomia meditativa dos campos de cores de Rothko. Rothko foi associado ao movimento expressionista abstrato, financiado pela CIA de 1950 a 1967 para promover os EUA como um mercado livre, como parte de uma agenda imperialista cultural.

Self-Reflection também incluiu La Folia, nomeada em homenagem a uma das composições musicais europeias mais antigas de que se tem memória, evocando a fragmentação e o declínio do Ocidente, simbolizada por um flautista solitário em uma coluna jônica afundando. A abertura de Self-Reflection foi palco do lançamento da primeira edição do Arts of the Working Class, um jornal de rua multilíngue "sobre pobreza e riqueza, arte e sociedade", do qual Pauł Sochacki é cofundador. O jornal é vendido por vendedores ambulantes em todo o mundo, que ficam com 100% da receita. De 2014 a 2016, Sochacki administrou uma galeria dentro de uma casa de chá especializada em chás chineses de folhas inteiras em Berlim e, como artista, expôs amplamente.

Available in
EnglishGermanPortuguese (Brazil)French
Translator
Andre Carneiro
Date
21.04.2025
Privacy PolicyManage CookiesContribution SettingsJobs
Site and identity: Common Knowledge & Robbie Blundell