Imperialism

A política de Biden para Cuba deixa a ilha destruída

As sanções americanas contra Cuba, intensificadas por Trump e mantidas por Biden, agravaram a crise humanitária na ilha.
Cuba foi novamente colocada na lista de países que patrocinam o terrorismo, o que devastou sua economia e limitou o acesso a importações vitais, por exemplo, remédios. Como resultado, as condições de vida diminuíram drasticamente, o que levou à insegurança alimentar generalizada, falta de energia e um êxodo em massa de mais de um milhão de cubanos. Apesar das promessas de reverter as políticas da era Trump, o governo Biden expandiu as sanções, prejudicando ainda mais o povo cubano.

HAVANA - A visão de pessoas famintas vasculhando lixeiras e pedindo esmolas já foi mais comum em cidades dos Estados Unidos e da Europa do que em Havana. No entanto, uma série de ações silenciosas, primeiro de Trump e agora de Biden, gerou uma crise humanitária em Cuba.

Enquanto observa os dias passarem à sombra de sua varanda no sul de Havana, Ramone Montagudo, 72 anos, um professor de história aposentado, tem um lugar privilegiado para assistir aos destroços. Até alguns anos atrás, os lixeiros esvaziavam regularmente os contêineres de lixo azuis na esquina de sua rua, onde ele e seus vizinhos depositam o lixo doméstico. Agora, as moscas se aglomeram em um mar de lixo no calor pegajoso. Ele observa alguns de seus vizinhos mais pobres — que, até alguns anos atrás, tinham o suficiente para comer — catarem restos de comida em meio à podridão.

"No que diz respeito a alimentos e medicamentos, estamos vivendo uma situação extraordinariamente difícil", diz Montagudo. "Este país sempre foi sancionado, e nós costumávamos sobreviver, mas Trump deu um jeito de preencher as lacunas que as sanções anteriores deixavam."

Cuba tem sofrido sanções por mais tempo do que qualquer outro país na história moderna. Porém, há quase uma década, o governo Obama abrandou as sanções contra a ilha e restabeleceu as relações diplomáticas com Havana, admitindo que mais de meio século de empobrecimento forçado da ilha falhou em expulsar o governo comunista. A recuperação econômica foi rápida. No entanto, nas últimas semanas do governo Trump, a Casa Branca colocou Cuba novamente na lista de Estados patrocinadores do terrorismo do Departamento de Estado americano, ao lado do Irã, da Síria e da Coreia do Norte, por motivos puramente políticos e sem apresentar nenhuma prova.

Os observadores de Cuba esperavam que Biden restaurasse a série de conquistas de Obama. Afinal, na campanha eleitoral de 2020, Biden prometeu que, como presidente, ele "reverteria as políticas fracassadas de Trump que infligiam danos aos cubanos e a suas famílias."

Em vez disso, Biden superou Trump ao ir mais longe do que o governo anterior, atacando o setor de turismo de Cuba — o principal motor da economia da ilha. Há dois anos, o Departamento de Estado de Biden proibiu que estrangeiros que visitassem Cuba entrassem sem visto nos EUA. Isso significa que britânicos, franceses, espanhóis e outras 37 nacionalidades descobriram que uma simples viagem de férias a Cuba poderia fazer com que perdessem a isenção de visto, e muitos decidiram não arriscar uma visita à ilha. Ao contrário do resto do Caribe, o turismo em Cuba não se recuperou desde a pandemia. As viagens dos europeus para a ilha caíram pela metade, em comparação a antes da pandemia.

A designação de terrorismo, associada às mais de 200 sanções decretadas contra a ilha desde que Obama deixou o cargo, prejudicou a economia cubana ao reduzir a receita do já sofrido Estado cubano. Os economistas calculam que a perda de receita do turismo resultante da designação de terrorismo custa ao estado centenas de milhões de dólares por ano. O custo anual combinado das sanções Trump-Biden, segundo especialistas, chega a bilhões de dólares por ano.

Mas o custo humano para Montagudo e milhões de pessoas na mesma situação é incalculável. O professor aposentado foi diagnosticado com Parkinson há três anos. Ele pode obter suas receitas médicas — Cuba ainda tem mais médicos em relação à população do que qualquer outro país no mundo — mas não há remédios. Como tudo mais, o estoque está se esgotando. "Antes, você ia na farmácia e o medicamento estava lá. Agora… ", ele morde o lábio e encolhe os ombros.

'Relegando a execução ao setor privado': Como as sanções de Trump e Biden derrubaram a economia de Cuba

O golpe duplo das sanções severas e da pandemia deu início a uma nova e sombria realidade para os cubanos. Para muitos os apagões elétricos agora podem durar mais de 12 horas por dia. Com as prateleiras das farmácias vazias, o preço dos medicamentos no mercado negro ficou fora do alcance da maior parte da população. Sem dinheiro para reparar a infraestrutura antiga, centenas de milhares de pessoas estão vivendo sem água corrente. O pior de tudo é que as coisas estão ruins há tantos anos que as pessoas perderam a esperança.

Ao reduzir o padrão de vida das pessoas e esmagar o sonho de um futuro melhor, as sanções Trump-Biden produziram, na ilha, um êxodo em massa de proporções históricas. Nos últimos três anos, um número recorde de cubanos deixou o país. Conforme os números oficiais, 10% da população — mais de um milhão de pessoas — deixou o país entre 2022 e 2023. 

Ainda assim, nem o governo de Trump, nem o de Biden proibiu empresas americanas de vender medicamentos para Parkinson a Cuba. As sanções contra Cuba até permitem formalmente "isenções e autorizações relacionadas à exportação de alimentos [e] medicamentos." Além disso, em 2022, o Departamento do Tesouro de Biden introduziu "licenças gerais" para produtos que salvam vidas em Cuba, argumentando que "o fornecimento de apoio humanitário para aliviar o sofrimento de populações vulneráveis é fundamental para nossos valores americanos".

Mas a guerra econômica continua sendo a principal arma do arsenal da política externa americana, conforme uma investigação abrangente publicada recentemente no Washington Post, e longe das comunicações oficiais, coletivas de imprensa e manchetes, ambos os governos voltaram a adotar uma política de mudança de regime, que se baseia na redução do fluxo de moeda forte para os cofres da ilha e no aumento do sofrimento de pessoas como Monteagudo. 

Joy Gordon, especialista em sanções da Universidade Loyola de Chicago e autora de Invisible War: The United States and the Iraq Sanctions (Guerra invisível: Os Estados Unidos e as sanções ao Iraque), disse ao Drop Site News que houve uma mudança no sentido de minimizar os danos visíveis às populações civis desde as sanções ao Iraque na década de 1990, que resultaram em epidemiais e desnutrição generalizadas. "Há uma estratégia de tentar transferir a efetivação das sanções para o setor privado", disse ela. O governo americano criou condições para que fosse comercialmente atraente ao setor privado retirar-se de mercados inteiros, resultando em danos econômicos graves e generalizados, mas de forma a não ter este resultado atribuído aos formuladores de políticas dos EUA."

A Lei Helms-Burton é um bom exemplo. Em 2019, Trump implementou o Título III da lei, que permite que os americanos processem empresas que fazem negócios com Cuba, algo que todos os presidentes anteriores haviam dispensado. Os navios de cruzeiro que levavam turistas americanos a Havana durante os anos de Obama foram, desde então, processados em centenas de milhões de dólares em um tribunal federal da Flórida por atracarem no principal porto de Havana. O efeito tem sido impedir que as multinacionais invistam na ilha.

Talvez o melhor exemplo de uma sanção quase invisível, porém insidiosa, ainda seja a designação de Cuba como "Estado patrocinador do terrorismo". Apresentada como uma ferramenta política benigna para tornar o mundo um lugar mais seguro, e não como um braço de guerra econômica, acabou por contaminar a palavra "Cuba" mais do que nunca na economia global. Quase da noite para o dia, o rótulo fez com que bancos globais e exportadores vitais se retirassem do mercado cubano, de acordo com diplomatas e empresários na ilha.

"Pouquíssimos bancos querem trabalhar com Cuba agora", disse ao Drop Site News um empresário europeu baseado em Havana, que falou sob condição de anonimato. Ele disse que seu banco o informou que sua conta seria fechada poucos dias após a designação. 

A ilha já estava incluída na lista de terroristas do Departamento de Estado até 2015. No entanto, desde a nova listagem em 2021, os efeitos têm sido mais intensos. Na última década, as regras antiterrorismo e de lavagem de dinheiro foram reforçadas. O "excesso de conformidade" também aumentou à medida que os bancos tentam se esquivar de multas multibilionárias de um Departamento do Tesouro cada vez mais destemido.

O fato de coagir as multinacionais a interromperem o comércio com a ilha fez com que o estado tivesse um grupo menor e mais cauteloso de fornecedores dos quais pode importar. Coagir os bancos a parar de processar pagamentos de e para Cuba significa que, muitas vezes, mesmo quando o Estado consegue encontrar o dinheiro para comprar e um fornecedor disposto a vender, simplesmente não há como fazer o pagamento.

"A aplicação da lei agora é delegada aos bancos, que foram levados a se autoprocessarem", disse outro empresário ocidental baseado em Havana. Eles "não podem mais alegar que não sabem."

Com mais riscos e menos retorno, muitos fornecedores deixaram o mercado cubano. "É um país pequeno que paga com atraso. O mercado não se importa", disse um terceiro empresário europeu que não vende mais equipamentos de alta tecnologia para o Ministério da Saúde Pública de Cuba." Fazer negócios com Cuba sempre foi arriscado, acrescentou ele, mas a designação de terrorismo foi um divisor de águas: Agora, "ao menor sinal de uma conta cubana, ela será bloqueada."

Quando perguntado o motivo pelo qual as empresas farmacêuticas e de equipamentos médicos pararam de negociar com Cuba nos últimos anos, o fundador de uma empresa farmacêutica europeia de médio porte explicou da seguinte forma: "É um mercado pequeno: Por que correr riscos por um baixo retorno?"

A fonte disse que não "vale mais a pena" para sua empresa exportar para o Ministério da Saúde Pública de Cuba, mas eles continuam mesmo assim. "Como você pode olhar para isso e não se compadecer?", disse ele. O empresário falou sob condição de anonimato, preocupado com o fato de que a conta bancária de sua empresa poderia ser fechada se a principal instituição financeira europeia com a qual sua empresa faz transações bancárias descobrisse que ele fornece para Cuba. 

Trajetórias de vida interrompidas

Os defensores do governo Biden argumentam que os problemas econômicos de Cuba vão além dessas medidas punitivas. Eles têm razão. As reformas intermitentes do Partido Comunista no poder durante as últimas duas décadas não conseguiram melhorar a produtividade do setor estatal, que continua altamente centralizado e letárgico. Os salários estatais são miseráveis e estão piorando. O absenteísmo é abundante. Entretanto pontuar várias causas para os problemas econômicos da ilha não absolve as sanções.

William LeoGrande, cientista político da American University, disse que a lista de terroristas equivale a "uma frente na guerra econômica de Washington contra Cuba." Um resultado direto da lista de terrorismo e de outras sanções Trump-Biden, segundo o cientista, é que o Estado cubano hoje perde bilhões de dólares de receita por ano em um momento em que suas principais importações são alimentos e combustível. "As sanções atuais", acrescentou, "têm um impacto maior do que nunca sobre o povo cubano."

As rações de alimentos distribuídas pelo governo — uma tábua de salvação para os mais pobres do país — estão se esgotando. A agricultura doméstica, que sempre foi fraca, sofreu uma crise nos últimos anos por falta de sementes, fertilizantes e gasolina, forçando o governo a importar 100% dos produtos básicos subsidiados.

Mas não há dinheiro suficiente para fazer isso. No ano passado, o governo eliminou o frango da cesta básica que a maioria dos adultos recebe. No mês passado, a ração diária de pão disponível para todos os cubanos foi reduzida em um quarto. Até mesmo produtos básicos essenciais, como arroz e feijão, agora chegam com atraso. A insegurança alimentar na ilha está aumentando, de acordo com um relatório recente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Os grupos vulneráveis — idosos, mulheres grávidas, crianças e pessoas com doenças crônicas — são os mais afetados pelos efeitos indiretos da política dos EUA.

"Quando as rações alimentares são financiadas pelo Estado, não é de se surpreender que, se o Estado for à falência, a insegurança alimentar aumente, principalmente para aqueles que não têm família no exterior para enviar remessas", disse Gordon, professora da Loyola.

Em março, os EUA tiveram um indício da agitação que sua política almeja, com centenas de pessoas indo às ruas na cidade de Santiago, no leste do país, reclamando de longas quedas de energia e gritando: "Estamos com fome!"

A maioria dos cubanos que foge dessa miséria vai para os Estados Unidos. Mais de 100.000 emigraram para os EUA legalmente desde janeiro de 2023 por meio do "programa de liberdade condicional humanitária" do governo Biden. Muitos outros cruzaram a fronteira ilegalmente. Uma legislação da Guerra Fria, a Lei de Ajuste cubano de 1966, torna Cuba o único país de onde um migrante pode chegar aos EUA ilegalmente, e obter um green card um ano e um dia depois. Alguns cubanos constroem barcos frágeis, e mais de 140 pessoas morreram este ano ao tentar atravessar o Estreito da Flórida, de acordo com a Organização Internacional para Migração. Aqueles que têm parentes que podem pagar uma passagem aérea voam para a Nicarágua antes de fazer a perigosa caminhada até a fronteira entre os EUA e o México.

Ao manter a designação de terrorismo e outras sanções em vigor, o governo Biden alimentou essa onda recorde de migração cubana. Nos últimos três anos, mais de meio milhão de cubanos chegaram aos EUA, de acordo com dados da Agência de Alfândega e Patrulha de Fronteiras. Toda a dinâmica tem um cheiro de loucura: o recorde de migração cubana estimulado pelo governo Biden contribui para a ampla "crise de fronteira", que está ajudando Trump à medida que a eleição se aproxima.

'Cuba não é um Estado patrocinador do terrorismo'

A lista de patrocinadores estatais do terrorismo sempre esteve na fronteira entre a análise e a propaganda. Não importa quão ruins sejam seus históricos, os aliados dos EUA nunca entram na lista; os adversários, sim. 

O governo Reagan designou Cuba como Estado patrocinador do terrorismo pela primeira vez em 1982. Havana se irritou com a decisão devido ao histórico dos EUA de apoiar e tolerar ataques terroristas na ilha, especialmente a Operação Mangusto, uma operação secreta que atingiu alvos civis dentro de Cuba durante a década de 1960, e conhecimento prévio do plano de exilados cubanos treinados pela CIA para explodir um avião civil cubano em 1976, que Washington decidiu não compartilhar com Havana e resultou na morte de 73 homens, mulheres e crianças a bordo.

Ainda assim, durante a década de 1980, Cuba apoiou as lutas de libertação nacional na América Central e na África. O combatente pela liberdade para Cuba era o terrorista para Washington, portanto, a designação tinha, pelo menos, alguma lógica na Guerra Fria. E, de fato, ocasionalmente, alguns dos movimentos apoiados por Havana praticaram violência política contra civis— mais conhecida, dependendo da sua perspectiva política, como terrorismo. As Agências de inteligência americanas foram então capazes de reunir argumentos baseados em informações para apoiar a listagem. Porém, com a desintegração da União Soviética e o fim da Guerra Fria, Cuba entrou em uma profunda crise econômica interna, enquanto sua projeção de poder diminuía. Os dias de apoio às lutas de libertação no exterior foram deixados para trás no século XX, mas a designação de terrorismo continuou.

De acordo com ex-funcionários do Departamento de Inteligência e do Departamento de Estado, nas últimas três décadas, a avaliação da comunidade de inteligência americana tem sido de que a ilha não patrocinou o que nem mesmo os EUA definiriam como terrorismo desde a década de 1990. Quando Obama retirou a ilha da lista em 2015, Ben Rhodes, o responsável do governo por Cuba, tuitou: "Simplificando, o POTUS está agindo para remover #Cuba da lista de Estado Patrocinador do Terrorismo porque Cuba não é um Estado Patrocinador do Terrorismo."

Para colocar Cuba novamente na lista, o Departamento de Estado de Trump precisava de justificativas, então argumentou que Cuba estava fornecendo refúgio para fugitivos americanos e para líderes do Exército de Libertação Nacional da Colômbia (Ejercito de Liberación Nacional, ou ELN).

Os anciões fugitivos americanos são majoritariamente ativistas do movimento negro, a quem Cuba concedeu asilo nas décadas de 1970 e 1980. A segurança de Estado cubana os monitora, e não há nenhuma evidência de que eles tenham usado o território cubano para realizar ou apoiar atividades terroristas.

Enquanto isso, os comandantes do ELN receberam abrigo como parte das negociações de paz que o governo Obama incentivou Cuba a sediar. 

As negociações foram facilitadas por Cuba e pela Noruega (a Noruega, de alguma forma, escapou da designação de terrorismo, apesar de seu papel). Embora o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia, ou FARC), o outro grande grupo guerrilheiro do país, tenham chegado a um histórico acordo de paz em 2016 com a ajuda de Havana, a paz entre o Estado colombiano e o ELN permaneceu indefinida.

Em 2019, o ELN realizou um ataque mortal em uma academia de polícia em Bogotá, Colômbia, matando 22 pessoas. O governo colombiano fez várias solicitações a Cuba para extraditar os líderes do ELN, o que Cuba evitou.

No entanto, em 2016, o ELN e o governo colombiano haviam assinado um protocolo secreto que garantia a segurança dos negociadores do ELN em Havana "no caso de um colapso nas negociações de paz." O documento, assinado pela delegação cubana, deixa claro que a extradição não estaria em pauta e que os negociadores poderiam retornar a partes do território colombiano que considerassem seguras.

Além disso, o presidente colombiano Gustavo Petro — ele próprio um ex-guerrilheiro — retirou o pedido de extradição em 2022 e descreveu a inclusão de Cuba na lista como "uma injustiça."

As negociações de paz entre o governo colombiano e o ELN, o último grupo de guerrilha remanescente do país, foram retomadas no ano passado em Havana. Desde então, os dois lados anunciaram uma trégua.

Fulton Armstrong, que anteriormente atuou como o principal agente de inteligência dos EUA na América Latina, afirmou que, se Cuba tivesse extraditado os negociadores do ELN, teria prejudicado sua capacidade de ajudar a acabar com as guerras sangrentas na Colômbia.

"Não se trata de ser gentil com ex-guerrilheiros", disse ele. "É uma questão de credibilidade."

A revisão de política que nunca aconteceu 

Desde seus primeiros meses no cargo, a equipe de Biden disse repetidamente — tanto publicamente, quanto em privado aos membros do Congresso — que estava realizando uma ampla revisão da política em relação a Cuba, incluindo a designação de terrorismo.

O secretário de Estado, Antony Blinken, disse em 2022 que o governo "continuará, conforme necessário, a revisitar essa política para ver se Cuba continua a merecer essa designação."

No ano passado, porém, essa alegação foi revelada como falsa. Em uma reunião privada, um funcionário do Departamento de Estado disse, em privado, aos membros do Congresso que nenhum processo de revisão havia sequer começado, de acordo com as fontes presentes.

A reunião, organizada pelo deputado republicano Jim McGovern, do distrito de Massachusetts, e outros que se dedicam à política cubana, foi parte de um esforço para pressionar o governo a recuar em sua abordagem punitiva em relação a Cuba. Mas McGovern e seus aliados no Congresso acreditavam, de acordo com fontes envolvidas na luta, que dar ao governo Biden espaço de manobra e reduzir a pressão sobre a Casa Branca os levaria a fazer a coisa certa. Esse cálculo se mostrou incorreto, e agora o Departamento de Estado esgotou o seu tempo. 

Ao dar aos jornalistas frases enfadonhas sobre "processos burocráticos" que são difíceis de usar em uma reportagem (em contraste com a linguagem rápida e incendiária de uma campanha de "pressão máxima" na ilha usada pelo governo Trump), o governo Biden encerrou a conversa sobre as repercussões dessa listagem.

Os jornalistas não conseguiram responsabilizar a administração. Entretanto, mesmo com boa vontade, é difícil rastrear os efeitos específicos das sanções sobre uma população: a interação entre os problemas econômicos internos de Cuba e as estratégias interligadas de estrangulamento externo da ilha tornaram praticamente impossível atribuir uma carência específica a uma política específica.

Além disso, a estratégia de décadas de terceirização da política de sanções para o setor privado também reduziu o foco da imprensa sobre os efeitos das sanções. Os veículos de notícias preferem histórias individuais mais claras que possam ser rapidamente explicadas ao público, e encontrar empresas que estejam dispostas a falar sobre como e por que deixaram de negociar e investir é muito trabalhoso.

Para Armstrong, o ex-agente de inteligência, a conversa sobre um "processo de revisão" sempre foi uma farsa. Tudo o que era necessário no nível executivo, disse ele, era reunir as agências de inteligência americanas e perguntar-lhes se havia alguma razão baseada em evidências para não reverter a inclusão de Cuba na lista de Estados patrocinadores do terrorismo. "Levaria metade de um dia", disse ele.

Os analistas concordaram que, com vontade política, Cuba poderia ter sido retirada da lista semanas após a posse de Biden em 2021. Cerca de 80 democratas da Câmara enviaram uma carta a Biden pedindo que ele fizesse exatamente isso, apenas semanas após sua posse. Mesmo que o governo realizasse uma revisão de seis meses, como alguns argumentam que a lei exige, a designação poderia ter sido suspensa na metade do primeiro ano do governo de Biden. Se a Casa Branca tivesse feito isso, centenas de milhares de cubanos poderiam muito bem estar vivendo em suas casas com seus entes queridos hoje, com melhor acesso a alimentos e medicamentos, em vez de lutar para chegar à fronteira e enfrentar o bizantino sistema de imigração americano. 

A posição do governo Biden ficou ainda mais confusa em maio, quando retirou Cuba da lista de países que não estão "cooperando totalmente" com os EUA em contraterrorismo. Conforme as designações oficiais, Cuba agora "coopera totalmente" com os esforços de combate ao terrorismo, ao mesmo tempo em que "patrocina" o terrorismo. Ainda não se sabe como o mesmo país pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Quando perguntado por que o Departamento de Estado não havia sequer iniciado uma análise, o porta-voz Matt Miller disse ao Drop Site, em uma coletiva de imprensa, que a política americana tinha como objetivo reforçar "as aspirações democráticas do povo cubano", uma referência ao objetivo americano de derrubar o regime.

"Se houver qualquer rescisão do status de Estado Patrocinador do Terrorismo, ela precisará ser consistente com um critério estatutário específico para rescindir essa determinação", disse ele. "Qualquer revisão do status de Cuba na lista, caso ocorra, terá como base a lei e os critérios estabelecidos pelo Congresso, mas o presidente e o secretário [Antony] Blinken continuam comprometidos com as políticas que adotamos para promover as aspirações democráticas do povo cubano."

Mas há maneiras claras de descrever as formas e os meios das sanções. Em abril de 1960, quando as mentes de Washington estavam trabalhando em como lidar com o novo governo revolucionário, um funcionário sênior do Departamento de Estado escreveu um memorando, hoje infame, que dá uma ideia da lógica por trás da guerra econômica que se desenrolava. "Todos os meios possíveis devem ser utilizados para enfraquecer prontamente a vida econômica de Cuba", argumentou Lester D. Mallory, então vice-secretário de Estado adjunto para assuntos do Hemisfério Ocidental. "Ao mesmo tempo sendo o mais hábil e discreto possível", acrescentou, a política americana deveria fazer "as maiores incursões para negar dinheiro e suprimentos a Cuba, para diminuir os salários monetários e reais, para provocar fome, desespero e a derrubada do governo." Biden se recusou a romper com essa lógica. Em Cuba, esse é o seu legado. 

Este artigo foi publicado originalmente no Drop Site.

Foto: Drop Site

Available in
EnglishSpanishPortuguese (Brazil)GermanFrenchArabicItalian (Standard)
Author
Ed Augustin
Translators
Clara Telles dos Santos and ProZ Pro Bono
Date
04.11.2024
Source
Original article🔗
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